
Lembro-me do dia em que ela nasceu, um dia em que o sol brilhava, e eu apertava a mão da minha irmã com tanta força, enquanto sorriamos a duas com expectativa.
Lembro-me de subir as escadas da maternidade, entrar no quarto da minha mãe, e encontra-los a chorar. Lembro-me de querer fugir, querer correr com tanta velocidade, para apagar a imagem dos meus pais naquele abraço, que poderia ter tantos significados.
Lembro-me de vê-la pela primeira vez, e apaixonar-me. Aquela coisa tão pequena, tão perfeita, que agora precisava da nossa protecção.
Durante os primeiros meses da vida da Ângela, chorava cada vez que virava as costas.
Durante os primeiros meses, parecia que o mundo ia acabar, desabar sobre a nossa família, e que nenhum de nós iria sobreviver.
Durante os primeiros meses, lutei comigo. Lutei por aceitar a realidade que se apresentava dolorosa.
Durante os primeiros meses, ela foi o centro da nossa vida, a que organizava os nossos dias, e as nossas noites. E será sempre o centro das nossas vidas.
Custava-me contar às pessoas, custava-me ver as caras de pena, ouvir os murmúrios de lamentação. Por isso não contava. Não conseguia. Contar tornava tudo aquilo real.
E ainda hoje, contar custa tanto. Contar trás lágrimas aos meus olhos. Mas contar faz de mim uma pessoa forte. E a Ângela precisa dessa força. Ela merece essa força.
A Ângela mudou a minha maneira de ver o mundo. Mudou a minha maneira de me relacionar, mudou as minhas expectativas, e perspectivas.
O que para todos é normal, para ela é uma batalha e uma conquista. E fico com medo quando olho para o futuro e não tenho a certeza do que nos espera.
Será que ela vai fazer parte de um grupo de amigas, que falam de moda, rapazes, coisas banais?
Será que vai ser beijada?
Será que ela vai ao Baile de Finalistas?
Vai ter emprego?
Namorar?
Construir família?
Quero tanto protege-la dos olhares indiscretos, das bocas que magoam, das portas fechadas. Quero tanto estar lá sempre que for preciso, sempre. Quero salva-la de um mundo que por vezes é cruel.
Porque ela é, para mim, o melhor que a vida tem.
Deixo-vos com a história que me explicou o que aconteceu, e me ajudou a compreender.
Ter um bebé é como planear uma fabulosa viagem de férias - para a ITÁLIA! Você compra montes de guias e faz planos maravilhosos! O Coliseu. O David de Miguel Ângelo. As gôndolas em Veneza. Você pode até aprender algumas frases simples em italiano. É tudo muito excitante. Após meses de antecipação, finalmente chega o grande dia! Você arruma as suas malas e embarca. Algumas horas depois você aterra. O comissário de bordo chega e diz: - "BEM-VINDO À HOLANDA!"
"Holanda!?! "diz você". O que quer dizer com Holanda!?!? Eu escolhi Itália ! Eu devia ter chegado a Itália. Toda a minha vida sonhei em conhecer Itália."
Mas houve uma mudança de plano de voo. Eles aterraram na Holanda e é lá que você deve ficar. A coisa mais importante é que eles não te levaram a um lugar horrível, desagradável, cheio de pestilência, fome e doença. É apenas um lugar diferente. Logo, você deve sair e comprar novos guias. Deve aprender uma nova linguagem. E você irá encontrar todo um novo grupo de pessoas que nunca encontrou antes.
É apenas um lugar diferente. É mais baixo e menos ensolarado que a Itália. Mas, após alguns minutos, você pode respirar fundo e olhar ao redor... E começar a notar que a Holanda tem moinhos de vento, tulipas e até Rembrants e Van Goghs.
Mas, todos os que você conhece estão ocupados, indo e vindo da Itália... e estão sempre comentando o tempo maravilhoso em que passaram lá. E por toda a sua vida, você dirá : "Sim, era lá que eu deveria estar. Era tudo o que eu havia planeado."
E a dor que isso causa nunca, nunca irá embora... porque a perda desse sonho é uma perda extremamente significativa.
Porém... se você passar a sua vida toda remoendo o facto de não haver chegado a Itália, nunca estará livre para apreciar as coisas belas e muito especiais... sobre a Holanda.
Emily Perl Knisley

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